Copa do Mundo promove Etnocídio no Maraká’nà
PROJETO DE REFORMA DO ANTIGO MUSEU DO ÍNDIO VIA CONSÓRCIO FIFA-DILMA-CABRAL-PAES-ODEBRECHET DECRETA A CONSTRUÇÃO DO MAUSOLÉU DA CULTURA INDÍGENA
ALDEIA MARACANÃ l Foi publicada, num cantinho de página do jornal O Globo (28/03), uma nota sobre os planos da Odebrechet e do governo Sergio Cabral para o prédio do antigo Museu do Índio. Na publicação, lê-se da promessa de reforma do imóvel por parte daqueles que privatizaram o Maracanã e expulsaram a população indígena e pobre do estádio e do seu entorno. Onde no passado funcionou o SPI (Serviço de Proteção ao Índio), a sede da Funai e o Museu do Índio, nasceu a Aldeia-Universidade Intercultural dos Povos do Maraká’nà, que o governo Dilma-Cabral e Paes (PT-PMDB) tenta extinguir.
Com as duas remoções violentas da Aldeia no currículo, Cabral e a secretária de cultura, Adriana Rattes desejam escrever um novo capítulo da história de submissão indígena no Rio de Janeiro. No 04 de abril, no mesmo jornal, uma notinha similar ratifica a informação anteriormente divulgada pela Resistência Aldeia Maracanã sobre a “oferta” de casas do Programa federal “Minha Casa Minha Vida” aos índios reduzidos pelo governo e realocados em containers no Curupaiti, antigo hospital de leprosos em Jacarepaguá. A oferta só contempla aqueles que já foram da Aldeia Maracanã mas que aceitaram a proposta do governo que reduz o território da Aldeia, de 14 mil a menos de 5 mil m2, inviabilizando qualquer possibilidade de manejo indígena, de convivência comunitária, e transformando o sonho coletivo da universidade indígena em um centro cultural para inglês ver, de protagonistas a objeto de exposição.
Essa jogada faz parte do marketing promocional da Secretaria de Cultura que a todo custo quer divulgar nacional e internacionalmente que é benevolente com os índios – talvez desejem uma estátua de bronze ao lado de Marechal Rondon (o pacificador) -, renovando, com a doação de imóveis, a política indigenista da “cachaça” e do “pente e espelho”.
“Boa nova” – A previsão de reforma do antigo Museu do Índio animou o Curupaiti. Além da notícia da reforma, a que eles chamam de “boa nova”, há no grupo uma satisfação geral sobre o que determina o decreto cabralino nº 44525 de 16 dezembro de 2013: a previsão de criação do Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas. Interessante notar que enquanto o executivo decretava, o judiciário federal sentenciava, no mesmo 16 de dezembro, o “manejo indígena” nos 14 mil e 200 m2 reivindicados pelos parentes da Resistência. Mas que, até agora, a própria Justiça não cumpriu com a execução da ordem da Juíza.
Muito pelo contrário, a Justiça Federal, e os órgãos de defesa e proteção dos direitos indígenas (Ministério Público Federal e Funai) nada fizeram para tentar deter a Odebrecht e a demolição dos prédios da Lanagro, dentro do terreno em litígio. Cabendo nisto um questionamento: se a Justiça não consegue impor limites ao avanço de uma multinacional dentro de um território de bem-comum, público-comunitário, que esperar de um decreto governamental de um mandato que não respeita a Justiça e os direitos das minorias indígenas? O que esperar de uma empresa e de um governo que atropela e pavimenta um território de significado ancestral para estes povos, senão o etnocídio disfarçado de centro de exposição, como escárnio. A Fifa já ordenou que não admite qualquer atividade no entorno do estádio que não esteja conforme seus padrões de mercado. Ou veremos ser erguida ali a Aldeia Coca-cola da Copa de Todos?
“Índio bom, é índio manso” – As convergências não param por aí. Na mesma data em que o executivo e o judiciário, em sincronia, trabalhavam em “benefício” dos índios – 16 de dezembro – o batalhão de Choque da Polícia Militar invadia a Aldeia Maracanã e executava sem mandado judicial o despejo dos professores e alunos residentes da Universidade-Aldeia Indígena. Enquanto Urutau Guajajara resistia ao desalojo sobre uma de suas árvores, por mais de 24 horas, os parentes do Curupaiti seguiam as ordens do governo.
Para os que aceitaram o desterro, Cabral enviou convites para o espetáculo da fabricação do consenso e oficialização do projeto de destinação e reforma do espaço que estampa os interesses empresarias transnacionais da Fifa e do Consórcio privado de gestão do Maracanã. O ardil do dito espetáculo contou com o convite e a hospedagem em hotel 4 estrelas, de lideranças indígenas de outros estados, alinhados à base governista, como Marcos Terena, do PT, e Alvaro Tukano do PV. Marcos Terena foi contestado publicamente pelas bases, pelas aldeias do povo Terena, durante a Rio + 20: “não nos representa”, diziam.
A política indigenista racista do governo do Estado é simples de ser explicada: aos índios que reocuparam o prédio em agosto e nele construíram, com recursos próprios, um espaço de trocas de saberes, de produção coletiva de conhecimentos, de resistência cultural, a Aldeia-Universidade Indígena Maraká’nà, o governo reservou a perseguição e a criminalização. Aos índios pacificados, o benefício de serem recebidos em hotel de luxo, para a degustação de canapés. Indiferentes à tradição de violações de direitos indígenas no território do Brasil e da América Latina, os índios do Curupaiti acreditam que terão protagonismo na criação do chamado Centro de Referência da Cultura dos Povos Indígenas, afinal, o Estado brasileiro, diariamente, dá provas de que as populações originárias são tão imprescindíveis quanto é a elite branca na condução da vida política do país.
Em tempo de agronegócios e transgênicos, de traição política do povo pela frente partidária no poder, revolta a perseguição e o assassinato dos Guarani-Kaiowá, no Mato Grosso do Sul. Muitas lideranças tombaram nos últimos anos, como o cacique Ambrósio Vilhalva, em 2013, enquanto outros vivem sob ameaça constante, como a família de Ládio Veron e o antropólogo Tonico Benites Avá Kaiowá. O governo federal, que apóia os leilões de gado em prol da auto-defesa paramilitar da propriedade privada, no Centro -Oeste brasileiro, omite-se em relação à situação de invisibilidade e nega os direitos fundamentais dos indígenas em contexto urbano, como ocorre no Rio. Assim o fazem porque dentro dos seus planos de mercantilização das relações de trabalho, consideram os índios indivíduos incapazes e de modo de vida obsoleto, fadados ao desaparecimento ou a fossilização.
E como sociedades não dinâmicas, os seus indivíduos são considerados incapacitados para auto governar institutos de preservação e dinamização dos saberes ancestrais, compreendidos, ainda, como registros ou peças de museu sob o olhar tecnicista das instituições patrimoniais, como Iphan e Inepac.
Por que uma Universidade? – Um governo que faz “política social” de ingresso ao ensino superior através do endividamento dos mais pobres, via Fies, certamente não enxergará mérito algum no projeto de Universidade Intercultural que atenda os povos originários, e que não tenha fins mercadológicos. Esse é mais um dos muitos obstáculos para a implantação de uma universidade indígena autônoma no Brasil. A luta intercultural se ampliou desde a primeira ocupação do prédio do antigo Museu do Índio, em 2006, por isso, os índios da Resistência consideram rebaixado o projeto de um Centro Cultural comparado à criação de uma Universidade que pese política e ideologicamente dentro da histórica luta étnico-racial no Brasil e mundo.
Entre os Curupaitianos, felizes com a “boa nova” da privatização do Complexo Maracanã, nenhum deles se pergunta o porquê das dezenas de centros de referência e museus dedicados à história e à memória dos originários, rapidamente sucateados, e nenhuma instituição na qual esses povos possam dividir e trocar conhecimentos com a sociedade.
A verdadeira luta racial é classista – Aos olhos dos índios pacificados, tudo bem dividir o terreno de mais de 14 mil metros quadrados “doado” pelo Duque de Saxe, no final do século XIX, com os empresários do futebol e do entretenimento. Nem foram eles, os responsáveis pela perseguição que sofreram durante os 7 anos de ocupação da Aldeia Maracanã… Nem foi para agradá-los que Sergio Cabral e Adriana Rattes empenharam-se na divisão e conquista do grupo e que, agora, oferecem casa própria em troca de sua adesão ao projeto rebaixado do Centro Cultural, a ser erguido com os recursos públicos que ajuizarão a campanha eleitoral de Cabral, Pezão e Cia.
A vergonhosa conciliação de interesses e de classes faz parte do jogo, da experiência renovada do escambo colonial. Mal conseguem perceber, os Curupaitianos, que se ainda existe a possibilidade de criação de um Centro Cultural, isso eles devem aos parentes da Resistência e aos militantes negras e negros das favelas cariocas, aos impactados pelas remoções de Manguinhos e outras comunidades, aos punks, aos camponeses, aos pescadores sem mar, sem rio, sem mangue, aos quilombolas, enfim, a todxs que são convidados a participarem do processo de construção e vivência da Universidade Indígena. Como quem reza na cartilha da história oficial e louva os bustos de bronze, os heróis do Curupaiti são o Marechal Rondon e o Duque de Saxe. Este último, genro do Pedro II, figura nos inventários como doador do imóvel à Coroa para o desenvolvimento da pesquisa de sementes e das culturas do sertão brasileiro. Os índios pacificados, sem comprometimento com a sua ancestralidade, esquecem que todo o patrimônio elevado até o Império só foi possível devido a escravização de índios e negros. Para os que lutam e resistem, e não separam a luta racial da classista, o prédio do antigo Museu do Índio não foi um presente de um nobre ao povo, mas, sim, uma devolução simbólica, em tempos de crise do projeto colonial, como forma de repassar a responsabilidade do imóvel para a União.